sexta-feira, abril 28, 2006

Ana Lee, esta é para ti

Ontem, uma amiga minha destas andanças da net, decidiu postar a música Popless dos GNR no seu blog. Já não ouvia falar de tal grupo há tanto tempo que quase os esqueci. O que é estranho é que me recordo várias vezes doutras vozes do tempo da "Maria Cachucha" como Táxi, António Variações, Já Fumega, Rádio Macau, Afonsinhos do Condado e até Radar Kadafi, mas como se costuma dizer "a cabeça já não dá para tudo" e eu até já nem sou desse tempo (desculpas e tal). Para emendar este meu esquecimento crasso decidi postar aqui e agora (não ao vivo, infelizmente - ainda não tenho experiência bloguística para isso) uma das músicas que mais me marcou a adolescência. O mais engraçado é que ao relê-la só vi foi cenas de um livro que não tem nada a ver ou será que tem? Queres ver que o Reininho é fã da Alice e a malta não sabia?
"Eu bebi, sem cerimónia o chá
à sombra uma banheira decorada,
num lago de jambu.
E dormi, como uma pedra que mata
senti as nossas vidas separadas,
aquário de ostras cru.
Ana Lee, Ana Lee
meu lótus azul,
ópio do povo,
jaguar perfumado,
tigre de papel.
Ana Lee, Ana Lee
no lótus azul,
nada de novo
poente queimado,
triângulo dourado.
Se ela se põe de vestidinha,
parece logo uma princezinha,
num trono de jasmim.
E ao vir-me,
embora em verde tónico,
no país onde fumam as cigarras,
deixei-a a sonhar por mim.
Ana Lee, Ana Lee
meu lótus azul,
ópio do povo,
jaguar perfumado,
tigre de papel.
Ana Lee, Ana Lee
no lótus azul,
nada de novo
poente queimado,
triângulo dourado."
GNR - Ana Lee
P.S. - All illustrations from Arthur Rackham

segunda-feira, abril 24, 2006

E se vivessemos em sonhos os retalhos da nossa vida perdida,
tal como se fossem peças de um puzzle
e construíssemos a partir daí uma outra realidade?

"Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento
.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida
,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança."
António Gedeão - Pedra Filosofal, 1956

sexta-feira, abril 21, 2006

Utopia


Estou cansada de estar cansada do que não entendo (ou não quero entender). Talvez por não compreender insista sem razão naquilo que nunca vivi ou possui.
"Nada é perfeito" - disseram-me um dia, mas eu não quis acreditar.
Sou incrédula por natureza e sempre preferi vivenciar as coisas, em vez de, seguir a palavra dos outros.
Não é uma questão de falta de confiança nas outras pessoas, apenas gosto de me testar até ao limite. Sou ávida de conhecimento. Curiosa...talvez (até demais). Realmente, olhando para trás já vivi tantas situações...algumas incríveis...até inacreditáveis, mas todas elas me ensinaram algo de novo e é aí mesmo que reside o âmago da questão. Será que só a novidade de preenche? Se isto fôr verdade viverei insatisfeita para sempre (seja lá até quando isso fôr!). Contudo, sempre posso virar a página e tentar viver de acordo com os cânones impostos pela super - organizada civilização (não contando com o exemplo do micro-cosmos português, como é óbvio) em geral. Talvez seja considerada uma pessoa normal, com uma inteligência razoável, até (quem sabe?) com perfil de líder, mas que nunca chegará a esse lugar hierárquico (apenas e só), porque não sou filha do patrão ou não possuo a madrinha e o padrinho (sim, porque hoje em dia também é preciso) A, B, ou C. Terei um cargo satisfatório, no qual ganharei uns tantos euros por mês (sempre acima dos 1250, pois isto não está para brincadeiras). Não terei tempo para usufruir do que realmente interessa (aquilo que a malta se lembra depois de irmos desta para melhor), mas sempre me posso contentar com o conforto de uma cama, de um sofá, das novas tecnologias, de um Hi-Fi topo de gama, de um granda carrão (alemão de preferência - eu até percebo disto), etc, etc, etc e tal. A lista seria infindável, mas como hoje não estou com paciência para divagações (estéreis ainda por cima), fiquemo - nos por aqui. Bastaria tomar a tal "soma" que Huxley fala num dos seus livros, mais exactamente O Admirável Mundo Novo, e seria "artificialmente feliz". Pois é, por vezes lamento ser como sou...uma gaja porreira, sem muitos bens e responsabilidades (é verdade, condenem - me se quiserem), idealista e utópica ao máximo. No entanto, neste momento, não sei, nem quero viver de outro modo. A questão que se impõe é: Fujo daqui ou deixo que me explorem?
Sempre posso seguir o segundo caminho e, mais tarde usufruir dessa escolha, mas aí não estaria a ser tão ou mais exploradora (e hipócrita, convém referir) do que "Eles"?
Pois é, isto não seria assim tão complicado se o Homem em vez de olhar para o seu umbigo, conseguisse uma vez na vida pensar no Próximo, o respeitasse e talvez, quem sabe, o conseguisse amar como a si próprio (já dizia Deus e eu nem sou religiosa). A treta é que assim o mundo não evoluiria (dizem "Eles"). Eu cá digo e sublinho: esta evolução não é necessária, nem sequer indispensável...fico apenas triste de ser inevitável. Basta abrir mão do que o Mundo e as suas gentes têm de melhor para nos oferecer...
Basta fingir um sorriso
Basta pisar o outro para subir de posto
Basta ser corrupto
Basta "ter olho" em terra de cegos
Basta não ter coração
BASTA!
P.S. 1- Depois existem sempre as contas para pagar.
P.S.2 - Felizmente existe também a Utopia para viver: www.boomfestival.org. Apareçam, serão benvindos!

segunda-feira, abril 17, 2006

E quando o Sol e a Lua se encontram

Na curva da Lua me escondo para encontrar a intensidade do Sol.
Encontros
Desencontros
Robert Delaunay
Simultaneous Contrasts: Sun and Moon
Paris 1913 (dated on painting 1912)
Oil on canvas, 53" (134.5 cm) in diameter
Mrs. Simon Guggenheim Fund

"Ele amava o sol,
Ela amava a lua.

Ele sorria ao que não sabia,
Ela contestava o que não conhecia.

Ele imaginava o amor sem fim,
Ela se angustiava com um amor ao fim.

Ele buscava a acção,
Ela buscava a razão.

Ele colhia e espalhava,
Ela tolhia e guardava.

Ele gritava,
Ela murmurava.

Ele batia no peito,
Ela mantinha respeito.

Ele protegia
Ela retribuia.

Ele escapulia,
Ela reconduzia.

Ele a amava na diferença,
Ela ansiava por sua presença.

Tão distintos, tão distantes,
Talvez por isso eternos amantes."

Maurício de Sousa - Desencontros