Reflexo ou Reflexão?

Para quem não sabe, Lucian Freud (1922 -... ), autor da tela que vos apresento a seguir, é neto de Sigmund Freud, o famoso psicanalista. Começou por pintar paisagens e naturezas mortas e acabou nisto....nus, nus e mais nus. Ainda dizem alguns que nascemos como uma tábua rasa. A mim parece - me que este não engana ninguém...teve a quem sair!

Reflection - 1m x 81cm - Lucian Freud

Em 1933, na exposição da Whitechapel Gallery de Londres, um quadro prendia o olhar de todos, intitulado Reflection. Tratava - se de uma enorme tela de 1m x 81cm que exibia um frontal masculino nu pintado com uma precisão quase dolorosa. Abrupto auto - retrato, onde a análise clínica avança par a par com situações quase cómicas: as botas gastas e consumidas lembram claramente o calçado de Van Gogh e a pose, com a perna direita mais avançada, a mão direita a exibir um pincel como arma, de tal modo que a paleta da mão esquerda, exibida paralelamente à superfície da tela, assume a função de escudo, dispensando imediatamente as alusões com um guerreiro que, saído de um quadro de David, exibe as suas armas honradamente.

Temos o pintor despojado de toda a máscara e, até mesmo da sua roupa. Temos as suas armas: o pincel e a paleta com as tintas e, mais que isso, temos uma reflexão sobre o próprio acto de pintar. A arte da pintura impõe que o artista disponha do seu modelo nu e que o faça entrar na composição do quadro. Mas aqui, é a si mesmo que o pintor impõe esta nudez e, é a si próprio que pinta quando se vê a pintar. O espelho não é mostrado, mas sugerido, a lembrar que o pintor não pode ver - se como modelo, mas sim na sua actividade, mesmo quando posa para si próprio (tal como acontece nas "Meninas" de Velásquez). A ambiguidade do quadro deixa - nos uma questão no ar: "reflexo" ou "reflexão"?

"Eu queria que os meus retratos não fossem como as pessoas, mas que fossem as pessoas e queria que não se parecessem a um modelo, mas que fossem o modelo. No que me diz respeito, a pintura é a pessoa."

Lucian Freud